maio 05, 2020

Pensamentos em (des)confinamento


Vivemos tempos desafiantes para todos, por ínfimas razões.

 Alguns ficaram sem trabalho ou estão em lay-off, muitos ficaram a trabalhar a meio gás e, com a crise emergente, adivinham-se dias difíceis. Não é preciso ser vidente ou visionário.

Ninguém vive do ar apenas, nesta Europa (quase) desenvolvida, onde os coronas tentam um lugar ao sol, homens e mulheres têm contas para pagar, casa, água, luz, net, talvez carro ou passes para os transportes públicos, seguros, roupas, artigos vários, supérfluos ou não, alimentação, etc. urge sobreviver.

 A maioria dos que trabalhavam com público, fosse na área do espetáculo, educação, animação ou outra, tiveram de adaptar as suas profissões ou ficaram a aguentar a incerteza e a aguardar melhores dias, até que o inimigo invisível seja uma fraca ameaça.

 

Quem manteve o trabalho, adaptou-se a uma nova realidade, com novas regras, uso de máscaras, distanciamento, saindo de casa apenas para aquisição de bens essenciais, atividades laborais. Observou-se um enorme apagão em atividades lúdicas, culturais e de lazer. Sem concertos, idas ao teatro, exposições, ateliers, atividades desportivas, parques ou espaços de convívio ao ar livre…

Os mais velhos tiveram de se manter à distância dos familiares e dos netos, envoltos  em afetividades virtuais, beijos e abraços pelo whatsaap ou messenger e muito cuidadinho para as pequenas criaturas que lhes descendem não os contagiassem com uma espécie de zombi a  ganhar terreno nos corpos humanos. Ao que parece, os mais novos têm forte probabilidade de ser assintomáticos e transmissores do potencial inimigo, sendo, consequentemente, um perigo para a saúde pública.

As crianças e jovens, confinados às suas casas, sem o convívio real com outras crianças e jovens, sem poderem brincar, correr, saltar, abraçar, crescer e aprender juntos, e com crescentes exigências virtuais, com aulas no computador e/ou na TV, imensos trabalhos, links, propostas de visualizações de vídeos, sites para pesquisa e emails para responder. Estes,  os homens e mulheres de amanhã. O que se pode espera que venham a ser, meninos e meninas que não socializam uns com os outros, nem brincam na rua?

Imagino que quando se voltar a frequentar o espaço escolar, as medidas de cuidado sejam tantas que se algum jovem for apanhado a tirar a máscara atrás do pavilhão, numa tentativa de saber a que sabe um beijo, possa sujeitar-se a um processo disciplinar ou a uma suspensão. Imagino apenas, e espero estar redondamente enganada. Peço-vos que me ajudem a imaginarmos, juntos, melhor.

 

Alerta, algo tem de mudar. A quarentena ensinou-nos, entre muitas outras coisas, que o mundo precisa de menos poluição,  menos CO2 na atmosfera, menos filas de trânsito, menos multidões em correria frenética para cá e para lá e, pelo contrário, mais caminhadas ao ar livre e a desaceleração de uma realidade que se impôs insustentável.

 

Não, não queremos voltar ao que tínhamos, não, não queremos condenar as gerações depois de nós ao eterno uso de máscara e à destruição dos espaços naturais da nossa casa maior, o planeta terra. Se nada fizermos depois do covid-19, virão outros vírus. E não sou eu que o digo, mas a maioria dos cientistas. Basta pesquisarem um pouco a informação disponível.

 

Não precisamos do medo, no sentido de ficarmos paralisados ou não pensantes e cegamente obedientes, precisamos sim de ter a coragem de mudar as nossas ações, individualmente e em grupo, porque não chega continuar no conformismo deixando que outros decidam por nós, pelas nossas vidas e pelo futuro dos nossos filhos e netos. Precisamos de respeitar o nosso vizinho, colega, familiar e manter as distâncias, para que não nos invadamos uns aos outros e respeitemos o espaço de cada um.

De facto, não precisamos de muitas coisas, como vários pares de sapatos, armários cheios de roupa e outros bens materiais, muitas vezes desnecessários e dos quais abdicámos no tempo  de confinamento.

Queremos  mais tempo para nós e para os familiares, de fortalecer o comércio local, reforçar a possibilidade de teletrabalho em muitos setores da nossa atividade profissional, onde se demonstrou essa viabilidade, precisamos de um mundo que não nos leve à extinção nas próximas décadas, da qual, queridos humanos, já estivemos mais longe.

Há medidas políticas que terão de mudar. É necessário abrandar o aquecimento global do planeta, pôr um travão à extinção de espécies e decréscimo da biodiversidade, fazer menos lixo e reduzir, reutilizar, reciclar, além de outros rs.

Estejamos  atentos ao que se passa noutros continentes, porque inevitavelmente vai afetar-nos e, enquanto aceitarmos as enormes discrepâncias sociais por esse mundo fora, vamos continuar muito longe de ser a geração da mudança positiva. Bem, geração da mudança já somos, resta definir que mudança queremos ver no mundo.

A humanidade precisa de menos coisas, mais afetos, mais empatia, mais arte, mais cultura.

Como poderíamos viver sem música? Ou sem literatura? Sem pintura?

 

A arte é essencial para sermos melhores pessoas. O conhecimento e a empatia de mãos dadas podem criar possibilidades de transformação infindáveis.

Estamos no início dos anos 20, em pleno século XXI, cada um de nós deve assumir o potencial adormecido em si, o génio entorpecido, não de forma egoísta e narcisista, mas de forma altruísta e verdadeiramente empática e superar-nos, individualmente e socialmente.