É hora de almoço,
Ninguém no escritório,
Apenas eu a escrever à mão, no lugar,
Num caderno aos quadradinhos,
Com a sala na penumbra.
Debruçada na secretária,
Frente ao computador que coloquei em pausa,
Escrevo num lugar que frequentemente ocupo para o cumprimento das minhas funções laborais.
Hoje tento transformar a saudade em algo mais que a dor desmedida que sinto dentro;
Tenho tentado todos os dias desde que a minha mãe partiu.
A minha mãe gostava muito do autor José Luís Peixoto, foi através dela que chegou até mim o livro “Livro” (desculpem-me a redundância mas não é obra do acaso), assim como tantas outras histórias, livros , contos, textos, crónicas e escritores que me sugeriu, partilhando o seu imenso gosto pelo conhecimento, pela arte, pelos afetos e pela vida.
Como professora de português que foi durante mais de quatro décadas terá transmitido o seu enorme entusiamos e paixão pela literatura a muitos alunos, enaltecendo a habilidade de alguns comunicarem através das palavras escritas e o enorme poder transformador que a leitura pode propiciar.
“Morreste-me, Mãe”, é uma frase que muitas vezes me vem ao pensamento neste verão de 2022, numa dor que me trespassa, que às vezes tem o tamanho do vazio que me ficou. Não li o livro de José Luis Peixoto “Morreste-me”, mas o título só por si, numa palavra, diz tanto do que se sente ao perder-se fisicamente alguém que amamos.
Há uma crónica de um escritor que a minha mãe adorava, António Lobo Antunes, que refere que “as pessoas de quem gostamos e partiram amputam-nos cruelmente partes vivas nossas, e a sua falta obriga-nos a coxear por dentro”, e essa simples frase descreve bem o sentimento da crueldade da morte, que é e será sempre prematura .
Agora tenho na mesa de cabeceira “ As Mais Belas Coisas do Mundo” de Valter Hugo Mãe, outro autor da sua Top List de escritores portugueses. A minha mãe queria oferecê-lo a um dos netos e eu sugeri que fosse muito cedo para falar a uma criança da morte, ingenuidade a minha, pois precipitou-se necessário, com a partida precoce da avó.
A lista dos seus favoritos é vasta, entre escritores lusófonos e das mais diversas nacionalidades e localizações geográficas.
A verdade é que tento ocupar o imenso vazio da sua ausência de alguma coisa, mas qualquer coisa me parece insuficiente, pequena, insignificante, e então vem a dor como uma sombra que se agiganta para devorar o vazio. Talvez escrever o lugar me faça permanecer, em mim, recriar as memórias e pontapear a dor da sua ausência para nela recriar a felicidade que é ser filha de uma mãe tão imensa. Talvez a leitura me salve da tristeza por tê-la perdido tão cedo, talvez a leitura me faça voltar a encontrá-la no prazer por ler, ou talvez seja a escrita a salvação, para que não haja dor sobre o silêncio nem sobre espaço para a dor ficar. Para, assim, o vazio ter palavras e ser literário.
Ou talvez tenha de sair do lugar uma vez por outra, ir a outro lugar e a outro, para fazer da continuação da minha vida tantas histórias, e ler e escrever em muitos lugares e, tal como me mostrou a minha mãe, preencher os vazios de conhecimento, cultura, literatura, afetos e sobretudo de um entusiasmo contagiante por viver.