agosto 24, 2022

Monólogo com a minha Mãe


 Mãe,

Tenho saudades tuas,
Às vezes lá me distraio
Com as pessoas, 
E vou procurando nelas partes que se pareçam contigo...
Por vezes usufruo da presença dos que cá continuam, como eu, e que Amo profundamente,
Também me distraio com  passeios na natureza (onde perscruto o teu brilho delicado ),
Com um livro que folheio e leio,
Com um filme que seleciono,
Com as múltiplas tarefas de mãe, solteira, trabalhadora,
Com tanto e tão pouco...

Buscas de sossegar o meu coração.

Observo...
E os meus olhos enchem-se de lágrimas...
Os horários cumprem-se nas rotinas impostas e acolhidas,  num tiquetaque frénico para pagar as contas mês após mês  e deixar que a vida vá passando, com sonhos arrumados em armários cujas chaves nem sabemos por vezes onde pusemos. A vida é tão passageira para não se construir a felicidade a cada despertar, de nada serve andarmos numa correria diária para cumprir obrigações impostas se não formos pelo menos um pouco felizes, todos os dias.

Um dia todos vamos morrer, eu sei isso, sempre soube, vi cedo a fragilidade da nossa passagem pelo planeta Terra. Tinha 10 anos quando uma das  minhas melhores amigas da escola morreu num acidente trágico, tinha 20 quando um primo irmão quase morreu e renasceu na mesma vida,  preso a uma cadeira de rodas, tinha pouco mais que isso quando partiu a minha tia mais bonita, já lhe tinham amputado um braço na tentativa que vivesse mais uns anos, antes dos 30 o tsunami 2004 levou duas pessoas lindíssimas e muito próximas da minha família, eram novos e teriam muitos projetos por cumprir.

A vulnerabilidade da vida sempre me causou dor e tristeza, também me foi mostrando que o melhor que temos é o Amor, a possibilidade de partilhar os afetos, também o conhecimento, o potencial  de crescermos e evoluirmos, e que pouco mais nos resta que sermos felizes com o que temos ou somos, sempre que possível.

Na segurança do teu Amor incondicional, a esperança que eu sentia eras tu que alimentavas...
A tua presença fazia-me acreditar e confiar que um dia as tempestades da vida iriam  passar, que um dia os meus sonhos se realizariam todos, fossem ir a África, ao Perú,  ter uma casa num local calmo próximo do mar, dedicar-me à escrita 3 horas por dia e aprender a desenhar e a pintar, ter por companhia o homem que Amo, ser base de Amor  e segurança para os meus filhos, poder partilhar mais tempo com amigos, rir até às lágrimas mais vezes que chorar de tristeza,...

E, sem aviso, tu que me garantias que ias morrer velhinha, partiste, tu que me trouxeste ao mundo e me acolheste no teu ventre, tu que me alimentaste do leite dos teus seios quando ainda era tão vulnerável e frágil, tu que sempre estiveste disponível para mim com o teu Amor, foste-te  e levaste contigo a esperança de realizar tantos sonhos. Fiquei com uma espécie de resignação, melancolia e um pouco perdida nos meus objetivos de futuro...

Se um dia todos vamos morrer é porque algum dia nascemos, porque a sucessão de acontecimentos, encontros e desencontros, paixões arrebatadoras, amores secretos, juras de união, acasos ou coincidências, permitiram que viéssemos ao mundo , e  pelo que se estima desde 300 mil e 100 mil anos atrás que nós Homo sapiens por cá andamos.
Também tenho observado muitos casos de superação , aliás, foste em valioso exemplo disso quando acordaste do coma depois de duas neurocirurgias, bem disposta, lúcida, sorridente, cheia de vontade de seguir caminho.

É nos exemplos de força, resiliência, 
Alegria e entusiamo pela vida que me foco ...
Estou a cuidar de mim , 
Voltei a fazer exercício, 
Vou reconstruindo os meus sonhos devagarinho,
Passo a passo, 
Mas não está ser  fácil,
Há um vazio enorme no espaço que te pertencia, 
Um vazio em que a tristeza quer entrar
Sem que se  lhe dê licença,
Um vazio ao qual pertencia a tua voz,
As tuas gargalhadas,
O teu cheiro,
O teu olhar,
A tua presença física...

Talvez com o tempo aprenda a preenche-lo de memórias felizes,
Mas por enquanto as memórias reavivam a saudade,
E vêm em jeito de tempestade a chorar-me dentro.

Tenho tantas saudades tuas,
Da voz, das gargalhadas, do  cheiro,
E também dos conselhos,
Da paciência enorme em ouvir-me, 
Do sorriso,
Dos teus abraços, ...

Queria contar -te tantas coisas,
Sentir aquele entendimento pleno que confortava,
Aquela tua maneira serena e doce de aceitação,
Tenho saudades do teu Amor,
Aquele Amor que não punha condições,
Tudo o que eu fizesse , fosse ou escolhesse estaria certo,
Saudades do quanto confiavas em mim.


Queria falar contigo, 
Aquelas conversas só nossas, sabes,
Não pensei  que te fosses tão cedo desta vida,
Percebo que com o passar dos dias as saudades vão aumentando...
E que quero preencher o vazio de memórias felizes.

Queria contar-te as coisas simples...
Como os bolos que a tua neta andou a fazer no fim de semana, 
Ou o trabalho em part-time que arranjou, 
A área que o teu neto mais velho escolheu para seguir no secundário,
A íntima amizade cheia de cor que me faz sentir bem,
As fofoquices e dinâmicas do meu trabalho,
Os assuntos do mundo,
O filme que vi no outro dia,

Ficaram muitas coisas por dizermos uma à outra, mas no silêncio sempre soubemos a imensidão do Amor que nutriamos 🙏💕
Queria que soubesses quando pretendo publicar o próximo livro* ... 

*Vai ser dedicado a ti, leste-o tantas vezes para correções  que é e será sempre um projeto nosso