fevereiro 24, 2023

Cartas de amor iliterarias

Já escrevi tantas cartas de amor, sobretudo à mão, e enviadas por correio... A maioria chegaram aos destinatários.

Também recebi cartas de amor, tantas...
Recebi músicas feitas para mim, nem só de cartas se faz a correspondência...
Mas há cartas que escrevi e não cheguei a enviar.... Ficaram como que  guardadas num recanto só meu, tímidas por se fazerem ler...

Não são literárias, a literatura tem que chegar ao destinatário, de outra forma não passa de uma intenção de o ser...
A literatura começa no leitor, por isso seriam apenas cartas de amor vulgares, não fosse a invulgar verdade de as escrever sem as enviar.



fevereiro 17, 2023

Convite

 Não sei onde me habita a tristeza,

Alojou-se em mim depois da minha minha mãe ter partido,
Pediu-me guarida e instalou-se discretamente.
Às vezes nem dou por ela, passa-me despercebida.
Mas se lhe toco ao de leve,
Lá se agita toda e é um espirrar de soluços e lágrimas delicadas.


Primeiro veio um vazio, como se me tivessem arrancado um órgão
Ou uma parte física do meu corpo.
Um vazio enorme,
Um buraco gigante que me fez duvidar se estaria oca por dentro.
E a tristeza que se andava a passear tristonha do lado de fora,
Veio aninhar-se ao vazio dentro de mim.
Toda contente, a chorona,
Achou que podia permanecer no meu regaço, 
E tem-no feito com regularidade, 
Com o seu jeitinho discreto e lamechas.
Não quero que me habite, 
Pode vir ver-me uma ou
outra vez,
Mas não quero que fique,
Nem que seja em mim moradora.
A tristeza é boa para cicatrizar a dor, para preencher o vazio,
Mas melhor que a tristeza são as memórias felizes,
E é a elas que dou permissão para permanecerem.
Por isso convido a tristeza a sair 
Sabe-se lá de onde em mim, 
E embora resmungue "que é tao triste uma tristeza
Andar por esse mundo sem sítio para morar",
Convido-a a fazer-se boa memória,
Só assim terá lugar cativo.

fevereiro 13, 2023

Celebrando -Me

Ante a vida me celebro, celebro os novos dias,

Celebro a esperança renovada e a lufada de ar a que me permitiram os meus pais na decisão de eu nascer.

Nasci grande, pensavam que seria  um rapagão, na altura ainda nem havia ecografias (e talvez ainda existisse o preconceito de que as mulheres seriam sempre pequenas).


Escolheram a data, uma quinta-feira feira depois do carnaval, já passada a folia e a euforia, para que eu viesse ao mundo num dia calmo e também já sem ressacas carnavalescas.

Naquele  dia comecei  por teimar em não chorar com umas palmadinhas no rabo, tão perplexa estava com a realidade extrauterina que me pusera a observar antes mesmo de anunciar a minha chegada com um estrondoso berro.

Levaram um alguidar com água a ferver e quase me queimavam os pezinhos com o vapor a escaldar, não revelasse atempadamente um ensurdecedor resmungo, pondo os pulmões em ação.

Gosto de imaginar que, ali perto, os animais selvagens me terão ouvido.

Nasci em África, numa região de paisagens exuberantes, num local de enorme biodiversidade, onde as águas marinhas são ricas em marisco e pescado e onde nas dunas do deserto se escondem espécies de seres únicos e incríveis. Gosto de imaginar que algures um Leão do Kunene terá ecoado, nesse dia quente de Fevereiro, em pleno Verão, um enorme e sonoro rugido de boas vindas. Gosto de imaginar que algumas girafas, do alto das suas pintas, terão captado as sonoridades pelas  suas  orelhas expressivas,  elegantemente colocadas na  cabeça sobre o longo e esticado pescoço. Gosto de imaginar que as riscas das zebras se arrepiaram numa complementaridade de padrões pretos e brancos. Gosto de imaginar que um elefante africano sorriu entre as suas presas cobiçadas pelos caçadores furtivos na sua elegante e enorme  dimensão de herbívoro pacifico.

Não sei porque não fomos feitos de modo a soltar uma gargalhada com o primeiro respirar, não sei porque nos inventaram a chorar ante a existência.

Talvez seja  a consciência da separação, da individualidade que somos ao nascer, que nos emociona .

Cortam-nos o cortão umbilical, retiram-nos do útero confortável (mmo que um pouco apertado a dada altura), nus e sem pelo,   completamente dependentes dos cuidados de outros vemo-nos expostos, consolados no colo dos que generosamente nos mostram amor e alimentados pelo seio materno, por algum tempo a nossa única fonte de alimento.

À medida que crescemos vamos aceitando a nossa independência e individualidade, o cordão umbilical, em analogia ao cortar da fita nas inaugurações, é a celebração da nossa chegada ao planeta terra. Depois há outros acontecimentos importantes ao longo da vida, qdo vamos viver para nossa casa e saímos da dos pais, por exemplo, ou quando damos à luz ou escolhemos ser colo e abrigo de outros seres.

Talvez choremos ao nascer porque o mundo está desajeitado!

A ausência física da minha mãe, desde o início do verão de 2022,  foi como um vazio enorme que se abriu e só não digo abismo porque abri as asas ante o vazio e no vôo tudo é paisagem. Chorei e ainda choro muito porque embora saiba que estamos todos ligados abraço a individualidade do meu viver. A individualidade dói, assim como a consciência, não se iludam, a possibilidade de contemplação ante o ser que somos é o que minimiza a dor e faz soltar gargalhadas.

E hoje nasci de novo nos 48 de vida já somada e nos tantos passos firmes que vislumbro pela frente, cheios de sonhos, do mesmo tamanho daqueles que tinha quando ainda era menina, com a consciência que não vou realizar todos mas que muitos vão ser concretizados, os mais importantes, aqueles que não poderia deixar de fazer reais nesta minha passagem pela vida que me foi presenteada.

Renasci hoje,  sem a minha mãe fisicamente presente, sem os beijos repenicados, os abraços demorados,  as mensagens carinhosas, os mimos, os afetos... Renasci lembrando quem sou, de onde vim, quem me trouxe ao mundo, o tamanho dos sonhos que tinha para mim... O tamanho dos meus próprios sonhos.  Renasci honrando a minha memória, a memória de todos os que me quiseram e querem amor.

Sinto -me grata pelos que são presentes, não há bem maior que o amor daqueles que amamos.

🙏🥰