julho 28, 2022

Era uma vez ...

Os meus pais  casaram-se jovens, cheios de sonhos, inocência, paixão e criatividade. Conheceram-se nos bailes, no tempo em que o namoro começava com o homem a convidar a mulher para dançar. Toy era bom dançarino, e Sol um pouco mais tímida mas deixou-se seduzir pela simpatia e cortesia  do belo rapaz que insistentemente a convidava para rodopiarem juntos no salão, para se equilibrarem  no movimento delicado dos corpos a acompanharem as melodias.

Ambos nascidos em Angola, nos anos 50, em resultado dos seus familiares terem sentido necessidade de procurar melhores condições de vida, como consequência do regime politico do  Estado Novo em Portugal.

Sempre gostei  de folhear os álbuns de fotografias antigos, é como ter acesso ao  passado, observar histórias através das imagens escolhidas, dos frames  da vida registados e impressos. 

O álbum de casamento dos meus pais mostra rostos muito jovens, lembra histórias de príncipes e princesas, fadas e seres fantásticos, as roupas especiais, risos, poses, celebração e memórias antes de mim. Os álbuns contam as histórias que quis contar  quem cuidadosamente os organizou,   histórias ilustradas, a minha mãe era boa a contar histórias.

O  mundo dos contos e da fantasia povoaram desde cedo a minha infância, talvez por isso observasse tudo como parte de um argumento maior do qual todos fazemos parte. 

Sol estudara línguas e literaturas românicas, tornando-se, muito jovem, professora de português e francês. Gostava das palavras, da literatura, da poesia e eu crescera com uma formação intensiva para o domínio da língua, escrita e falada. Não  escapavam erros de português a Sol  e,  ironicamente, sempre fui  extremamente distraída e por vezes trocava “s” por” “c” ou “ss”, ou “o” por “u” mas sabia,  num misto de resignação e  rebeldia,  que esses lapsos ortográficos seriam  detetados e corrigidos pela minha mãe. 

Toy trazia o gosto por desenhar com  facilidade e aptidão para a matemática. Além disso sempre gostou também de fotografia, de desporto e é daquelas pessoas capazes de resolver enigmas, consertar coisas e descobrir o valor das incógnitas.

Há dons que nascem connosco mas que só podemos desenvolver se nos forem proporcionadas condições para tal. Tive o privilégio de me ter sido incentivado desde cedo o acesso à arte e também ao gosto por aprender. Também  a bondade, o humanismo, a justiça, a solidariedade, foram competências incentivadas pelos meus pais.

Mais de meio século de vida em comum, pq aos anos de casamento se somam os de namoro. 

Na verdade eram o complemento um do outro, vê -los juntos era tão certo como o azul do mar ou a grandiosidade das florestas verdes.

Conseguiram manter -se juntos mmo quando a vida lhes pôs os maiores desafios, aceitavam as imperfeições um do outro assim como cada um de nós aceita as suas próprias fragilidades porque a perfeição é para onde caminhamos não onde estamos.

Amavam-se verdadeiramente , riam-se juntos, cuidavam um do outro, de si mesmos,  faziam o projetos em conjunto.

Amores assim são raros, é preciso ser -se gentil e grato com a vida.

Eram generosos juntos, cuidaram dos meus avós maternos com todo o amor e na velhice, com mais de 90 anos, foi com os meus pais  que puderam contar para as necessidades de apoio que surgiram.

Anos de viagens de muitos kms frequentes, com o objetivo de os apoiarem, contactos com pessoas que pudessem cuidar deles e da casa e não precisassem de ir para um lar. Qdo não podiam,por algum motivo, lá ia eu ou o meu irmão ver como estavam os velhotes.

Não tive possibilidade de cuidar da minha mãe velhota, partiu fisicamente antes que tivesse qualquer necessidade de apoio ou dependência. Vou recorda-la sempre forte, cheia de vitalidade, com aquele sorriso generoso, a gargalhada límpida e o enorme amor que me tinha, que nos tinha.

A genuína gentileza e  puro amor não é para todos. Juntos, estavam  sempre  disponíveis  para os filhos, netos, e tb para outras pessoas... Quem esteve atento e de coração aberto percebeu -o e sentiu-o.

minha mãe queria ainda fazer tantas coisas e merecia-o, locais que gostava de visitar, pessoas que gostava de abraçar, e novos projetos criativos para tornar o mundo um lugar melhor e mais bonito, como as pinturas de mandalas, os filtra-sonhos as malas coloridas feitas com amor e na perfeição. 

O meu pai foi um privilegiado por ter sido a pessoa que neste mundo esteve com ela  mais horas de vida partilhada. Esse privilégio foi  livre escolha de ambos e também recíproco, a minha mãe foi uma privilegiada pelo amor que ele sempre lhe dedicou.

Há projetos que não vão poder realizar os dois mas faço votos que o meu pai possa realizar alguns por ambos e por si próprio também porque vi, senti e ainda pressinto o amor imenso que souberam ser em conjunto, um para o outro e também para os que lhes estavam perto 🙏💕

Porque a vida continua para cada um de nós que cá permanecemos e o passado serve para ser memória feliz e honrámo-lo,   para ser  impulso de agradecermos o respirar e as ínfimas possibilidades de sermos felizes e criarmos o futuro: 

Contamos contigo pai,  para construirmos mais amor, empatia, justiça, equitabilidade, alegria, num mundo tantas vezes virado do avesso . 

Contamos que a mãe , que em jeito de anjo da guarda, nos ilumine e proteja .

Beijinhos dos filhos e netos,

Consequências vivas do vosso encontro amoroso 🥰