junho 25, 2020

Sabores de Infância


Quando era criança brincava muito na rua, não havia telemóveis  nem se imaginava sequer o mundo tecnológico atual.
Não foi assim há tanto tempo, parece que foi ontem… Tínhamos imensa liberdade, sabíamos que havia horas para ir para casa, explorávamos o mundo, fazíamos amigos, aprendíamos sobre partilha, afetos e crescíamos saudáveis com uma boa capacidade motora, equilíbrio e  estrutura física. Tive esse privilégio em vários dos locais onde residi, fosse no distrito de Lisboa ou no Alentejo. Umas vezes estavam primos, noutras amigos , de cá ou de lá, mas quem estava sempre, mesmo, era o meu irmão. O meu irmão e eu temos uma diferença pequena de idades. Na maneira de ser as diferenças são muitas mas as nossas diferenças não são,  nem nunca foram, impedimento de aprendermos um com o outro, aliás, acredito que as nossas diferenças sempre nos fizeram um bocadinho melhores.

Para mim, a família é muito importante, pelas raízes comuns que nos dão a identidade própria, como um mapa antigo que nos caracteriza, pelo que escolhemos abraçar dessas raízes e pelo que preferimos afastar também. Igualmente  importante são os amigos que escolhemos ao longo do nosso percurso, esses são aqueles que queremos ter a nosso lado em determinada fase do percurso, aqueles com que nos identificamos. Tenho amigos a quem chamo de irmãos,  talvez por esse amor enorme que nos faz ser família de coração de alguém. Mas além desses irmãos que escolhi, a vida escolheu um irmão para mim, e neste caso específico, sinto-me tão grata, porque o irmão que a vida escolheu é um amigo que escolhi com o coração.

O meu irmão tem estado  sempre presente, desde que nasceu, não  imagino como teria sido a minha infância sem ele, nem quero imaginar, acho que assim que o vi foi amor à primeira vista. Era   um bebé lindo, um menino lindo e é um  homem belíssimo,  mas o que gosto mesmo é de tudo o que se pode aprender com um irmão mais novo, porque nem sempre são os mais velhos que sabem mais.

Fui  apanhar amoras silvestres e senti a lembrança dos sabores de infância. Piquei-me toda nas silvas e depois fiquei a pensar que não me recordava da dificuldade de colher amoras. Quando eramos miúdos apanhávamos imensas, chegámos a levar para casa. Mas a nossa infância também teve sabor de “azedas”, pinhões, sabor salgado do mar, ou doce de pingos de chuva. A nossa infância foi recheada de sabores, aromas, cores, sensações, emoções.  Apanhávamos girinos, íamos às  hortas, fugíamos às vezes de inimigos visíveis ou invisíveis (e nunca fomos apanhados), corríamos, andávamos de bicicleta, às vezes caímos  e depois levantávamo-nos, brincávamos muito e o meu irmão aparece em praticamente todas as minhas memórias de infância.  Também na adolescência tivemos amigos e experiencias partilhadas e há coisas que sabemos um do outro e que só mesmo os melhores amigos sabem.
Nesta altura em que se sentem tanto os efeitos das novas regras pandémicas e  o medo latente em muitas pessoas, assim como a esperança emergente e revolucionária noutras, neste tempo em que é urgente cultivar a alegria, a empatia, a solidariedade , em que é preciso mudar as politicas e os políticos, as crenças, o consumismo, a educação, e prenhar a humanidade de consciência, sabedoria e ações sustentáveis,  sou grata por continuar a sentir que no maior de todos os desafios (que é este de se ser adulto e consciente num mundo caótico),  na maior das aventuras (pois já não temos a ingenuidade e a pureza da infância),  continuo a contar com o meu irmão (e ele comigo),  para que os sabores da nossa infância de liberdade possam deixar um legado para o futuro.
Que os sabores de infância dos nossos filhos tenham a alegria dos nossos e que possamos,  hoje  e amanhã, contribuir para construir um futuro feliz para eles e para os que lhes seguirem.

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